Wagner Borges – www.ippb.org.br
Certa vez, enquanto Krishna meditava, Arjuna se aproximou e perguntou-lhe:
“Senhor, sinto-me muito estranho. Parece que algo me aperta o peito e cerceia minhas emoções. Não consigo centrar os pensamentos nem sentir-me apto para a meditação. Por favor, o Senhor pode orientar-me?”
O Senhor dos olhos de lótus continuou aprofundado em sua meditação por mais um tempo. Depois, quando finalmente abriu os olhos, parecia que o brilho de milhões de sóis estavam em seu olhar.
Ele olhou para o seu discípulo-arqueiro e viu dentro do seu coração. Contudo, ainda permaneceu quieto.
Até mesmo Arjuna ficou seriamente impressionado, pois sentia em seu olhar silencioso a profundidade do universo e aquela sensação de algo grandioso e misterioso à sua compreensão.
Pensou: “Ele deve estar numa expansão da consciência daquelas. E eu aqui com minhas emoções tão pequenas querendo incomodá-lo. Vou ficar quietinho aqui e pegar uma pequena carona em sua luz.”
Um pouco depois, Krishna disse-lhe:
“Narananda, (1) desculpe-me por não ter lhe dado a devida atenção antes, mas é que em meio as miríades de manifestações na existência, dois eventos me chamaram a atenção fortemente.
No primeiro deles, uma mulher estava se desprendendo definitivamente de seu corpo carnal. Esse é um evento normal dentro da roda reencarnatória. Enquanto isso, um de meus trabalhadores na Terra irradiava pensamentos e energias a favor da humanidade no silêncio de seu trabalho. Ao mesmo tempo, em seu íntimo surgiam algumas questões espontâneas. Ele perguntou-se: ‘Será que estou sendo útil realmente? Será que Krishna percebe o que se passa aqui? Será que ele desculpa meus defeitos e ainda sorri em meu coração?’
Então, segui suas energias e vi que elas estavam sendo direcionadas por minhas hostes de trabalhadores invisíveis para aquela mulher que partia da Terra. Eram energias amorosas emanadas por um ser humano comum, mas portavam o brilho da eternidade em suas cores suaves. Elas chegavam no cerne do espírito que se desprendia dando-lhe conforto e confiança em sua passagem para a vida extrafísica. Em torno de seu ambiente, um grupo de espíritos amigos manipulava aquelas energias com grande maestria e respeito.
Nem o rapaz à distância, nem a mulher que partia sabiam um do outro naquele instante. No entanto, uma linha invisível os unia num ato de amor anônimo.
Fui até lá e suavemente rompi as ligações energéticas do espírito com o corpo. A seguir, levei a mulher para os seus ente queridos espirituais na vida além da vida… e abençoei o seu destino imortal.
Depois, fui até o meu trabalhador e beijei secretamente o seu coração. Ele não me viu, mas ficou feliz espontaneamente, como se parte dele soubesse que sua missão havia sido cumprida naquele instante. Eu abençoei o seu dharma! (2)
Arjuna, em meio a tudo, a maravilha da assistência espiritual sempre enternece mais o meu coração.
O segundo evento me encantou mais ainda.
Percebi uma onda de energia maravilhosa emanando de certo ponto na Terra. Pela sua qualidade, parecia a emanação virtuosa de um rishi (3) a favor da humanidade. Porém, ao observar o evento atentamente, percebi que era a emanação do coração de uma mulher que naquele momento perdoava sinceramente algo grave de alguém.
Tocado por aquela maravilha, fui até lá e abracei-a secretamente. Ela não me viu, mas depositei dentro de seu coração uma pequena jóia espiritual. Doravante, quando ela deitar o corpo no leito para o sono diário, a jóia projetará o seu espírito até o parque celestial dos devas. (4) Ali, entre eles, ela descansará do fardo emocional de suportar o drama de seus semelhantes, e ainda perdoá-los incondicionalmente. E no momento certo, a jóia a levará definitivamente ao seu verdadeiro lar, no planeta do amor imperecível.
Arjuna, o perdão eleva o espírito às alturas e abre o coração a Divina sintonia.
Agora, meu amigo, diga-me: o que é que lhe aflige o espírito?”
Então, Arjuna respondeu-lhe: “Escutando o Senhor falar dessas maravilhas, o meu coração se abriu e o que eu estava sentindo se foi. Na verdade, só agora é que eu percebo que era coisa pequena.”
E Krishna arrematou: “Felizes são aqueles que transcendem os seus pequenos dramas e elevam o espírito na sintonia de objetivos maiores e imperecíveis.”
(Esses escritos são dedicados a dois sábios mentores espirituais, a quem devo muito espiritualmente: Ramatís e Vyasa)
Paz e Luz.
– Wagner Borges –
Notas do sânscrito:
1. Narananda: Nara: O homem – Ananda: Bem-Aventurança. Logo, significa o “homem portador da bem-aventurança”. Esse é um dos nomes esotéricos de Arjuna, o discípulo-arqueiro de Krishna.
2. Dharma: Dever, Trabalho, Missão, Mérito, Benção.
3. Rishi: Sábio.
4. Devas: Divindades; Anjos; Seres Celestiais.