ORIGEM E HISTÓRIA DA UMBANDA

O advento do caboclo das sete encruzilhadas (1)
1 – Nota do médium: O texto que se segue foi baseado em informações verídicas obtidas diretamente de fitas gravadas pela senhora Lilian Ribeiro, presidente da Tenda de Umbanda Luz, Esperança, Fraternidade (TULEF), que contêm os fatos históricos narrados, possíveis de serem escutados na voz de Zélio de Moraes, manifestado mediunicamente com o Caboclo das Sete Encruzilhadas. Em 2 de novembro de 2005 visitamos dona Zilméia em sua residência, em Niterói, Rio de Janeiro, oportunidade em que também conhecemos dona Lygia Moraes, respectivamente filha e neta de Zélio, dando conhecimento a ambas do presente texto, do qual obtivemos a confirmação sobre sua autenticidade e permissão para
divulgá-lo.
No final de 1908, Zélio Fernandino de Moraes, um jovem de 17 anos que se preparava para ingressar na carreira militar, começou a sofrer estranhos surtos, durante os quais se transfigurava totalmente, adotando a postura de um idoso, com sotaque diferente e tom manso, como se fosse uma pessoa que tivesse vivido em outra época. Muitas vezes, assumia uma forma que mais parecia a de um felino lépido e desembaraçado que mostrava conhecer muitas coisas da natureza.
A família do rapaz, residente e conhecida na cidade de Neves, estado do Rio de Janeiro, ficou bastante assustada com esses acontecimentos, achando, a princípio, que o rapaz apresentava algum distúrbio mental repentino. Por isso, o encaminhou a um psiquiatra que, após examiná-lo durante vários dias, sugeriu que o conduzissem a um padre, pois os sintomas apresentados não eram encontrados em nenhuma literatura médica.
O pai de Zélio, que era simpatizante do espiritismo e costumava ler livros espíritas, resolveu levá-lo a uma sessão na Federação Espírita de Niterói, presidida na época por José de Souza, em que o jovem foi convidado a ocupar um lugar à mesa. Então, tomado por uma força estranha alheia à sua vontade, e contrariando -as normas da casa que impediam o afastamento de qualquer dos componentes da mesa, ele levantou-se e disse: “Aqui está faltando uma flor”. Em
seguida, saiu da sala, dirigiu-se ao jardim e retornou com uma flor nas mãos, que colocou no centro da mesa. Tal atitude causou um enorme tumulto entre os presentes.
Restabelecidos os trabalhos, manifestaram-se nos médiuns kardecistas entidades que se diziam pretos escravos e índios, ao que o dirigente da casa achou um absurdo. Então, os advertiu com aspereza, alegando “atraso espiritual”, e convidou-os a se retirarem.
Após esse incidente, novamente uma força estranha tomou o jovem Zélio e, através dele, falou: “Por que repelem a presença desses espíritos, se nem sequer se dignaram a ouvir suas mensagens. É por causa de suas origens e de sua cor?”.
Seguiu-se um diálogo acalorado. Os responsáveis pela sessão procuravam doutrinar e afastar o espírito desconhecido, que desenvolvia uma argumentação segura. Um médium vidente perguntou à entidade: “Por que o irmão fala nesses termos, pretendendo que a direção aceite a
manifestação de espíritos que, pelo grau cultural que tiveram quando encarnados, são claramente atrasados? Por que fala desse modo, se estou vendo que me dirijo a um jesuíta, cuja veste branca reflete uma aura de luz? Qual é o seu verdadeiro nome, irmão?”.
O espírito desconhecido então respondeu: “Se querem um nome, que seja este: Caboclo das Sete Encruzilhadas, pois para mim não haverá caminhos fechados. O que você vê em mim são resquícios de uma encarnação em que fui o padre Gabriel Malagrida. Acusado de bruxaria, fui sacrificado na fogueira da Inquisição, em Lisboa, no ano de 1761. Mas, em minha última existência física, Deus me concedeu o privilégio de reencarnar como um caboclo brasileiro”.
Prosseguindo, a entidade revelou a missão que trazia do Astral: “Se julgam atrasados os espíritos de pretos e índios, devo dizer que amanhã (16 de novembro) estarei na casa de meu aparelho, às 20 horas, para dar início a um culto em que esses irmãos poderão transmitir suas mensagens e cumprir a missão que o plano espiritual lhes confiou. Será uma religião que falará aos humildes, simbolizando a igualdade que deve haver entre todos, encarnados e desencarnados”.
O vidente retrucou com ironia: “Julga o irmão que alguém irá assistir a seu culto?”. Ao que o espírito respondeu: “Cada colina da cidade de Niterói atuará como porta-voz, anunciando o culto que será iniciado amanhã”.
Para finalizar, o caboclo completou: “Deus, em Sua infinita bondade, estabeleceu na morte o grande nivelador universal. Rico ou pobre, poderoso ou humilde, todos se tornam iguais perante o desenlace, mas vocês, homens preconceituosos, não contentes em estabelecer diferenças entre os vivos, procuram levar essas diferenças além da barreira da morte. Por que não poderiam nos visitar esses humildes trabalhadores do Espaço, se, apesar de não terem tido destaque social na Terra, também trazem importantes mensagens do Além?”.
No dia seguinte, na casa da família Moraes, na rua Floriano Peixoto, número 30, ao se aproximar a hora marcada, estavam reunidos os membros da Federação Espírita, os parentes mais próximos de Zélio, amigos e vizinhos, para comprovarem a veracidade do que fora declarado na véspera, e, do lado de fora, uma multidão de desconhecidos.
Às 20 horas em ponto, manifestou-se o Caboclo das Sete Encruzilhadas, para declarar que naquele momento se iniciava um novo culto, em que os espíritos de velhos africanos escravos e de índios brasileiros, os quais não encontravam campo de atuação nos remanescentes das seitas negras, já deturpadas e dirigidas em sua totalidade para os trabalhos de feitiçaria, trabalhariam em benefício de seus irmãos encarnados, qualquer que fosse a cor, a raça, o credo e a condição social. A prática da caridade, no sentido do amor fraterno, seria a característica principal do culto que
teria por base o Evangelho de Jesus.
Desse modo, o caboclo estabeleceu as normas em que se processariam as sessões: os participantes estariam uniformizados de branco, o atendimento seria gratuito e diário. Deu também nome ao movimento religioso, que passou a se chamar “umbanda”, uma manifestação do espírito para a caridade.
A casa de trabalhos espirituais que ora se fundava foi chamada de Nossa Senhora da Piedade, pois assim como Maria acolheu o filho nos braços, ali também seriam acolhidos como filhos todos os que necessitassem de ajuda ou de conforto.
Ditadas as bases do culto, após responder em latim e alemão às perguntas dos sacerdotes presentes, o Caboclo das Sete Encruzilhadas passou à parte prática dos trabalhos: foi atender um paralítico, fazendo-o ficar totalmente curado, além de prestar socorro a outras pessoas presentes.
Nesse mesmo dia, Zélio incorporou um preto velho chamado Pai Antônio, aquele que, com fala mansa, foi confundido com uma manifestação de loucura de seu aparelho. Com palavras de muita sabedoria e humildade, e uma timidez aparente, recusava-se a sentar-se junto com os componentes da mesa, dizendo as seguintes palavras: “Nêgo num senta não, meu sinhô; nêgo fica aqui mesmo. Isso é coisa de sinhô branco, e nêgo deve arrespeitá”.
Depois da insistência dos presentes, a entidade respondeu: “Num carece preocupá não. Nêgo fica no toco que é lugá di nego”.
Assim, continuou dizendo outras palavras que demonstravam a sua humildade. Uma assistente perguntou se ele sentia falta de algo que havia deixado na Terra, ao que o preto velho respondeu: “Minha caximba. Nêgo qué o pito que deixou no toco. Manda mureque busca”.
Tal afirmativa deixou a todos perplexos, pois presenciavam a solicitação do primeiro elemento de trabalho para a religião recém-fundada, pois foi Pai Antonio a primeira entidade a
solicitar uma guia, até hoje usada pelos membros da Tenda e carinhosamente chamada de “Guia de Pai Antonio”.
No dia seguinte, uma verdadeira romaria formou-se na rua Floriano Peixoto. Enfermos, cegos e outros necessitados iam em busca de cura e ali a encontravam, em nome de Jesus.
Médiuns, cuja manifestação mediúnica fora considerada loucura, deixaram os sanatórios e deram provas de suas qualidades excepcionais. A partir daí, o Caboclo das Sete Encruzilhadas começou a trabalhar incessantemente para o esclarecimento, difusão e sedimentação da umbanda. Além de Pai Antônio, tinha como auxiliar o Caboclo Orixá Malé, entidade com grande experiência no desmanche de trabalhos de baixa magia.
Em 1918, o Caboclo das Sete Encruzilhadas recebeu ordens do Astral superior para fundar sete tendas para a propagação da umbanda. As agremiações ganharam os seguintes nomes: Tenda Espírita Nossa Senhora da Guia, Tenda Espírita Nossa Senhora da Conceição, Tenda Espírita Santa Bárbara, Tenda Espírita São Pedro, Tenda Espírita Oxalá, Tenda Espírita São Jorge e Tenda Espírita São Jerônimo. Enquanto Zélio estava encarnado, foram fundadas mais de 10 mil tendas, a
partir das mencionadas.
Embora não tivesse dado continuidade à carreira militar para a qual se preparara, pois sua missão mediúnica não o permitiu, Zélio Fernandino de Moraes nunca fez da religião sua profissão. Trabalhava para o sustento da família, e diversas vezes contribuiu financeiramente para manter os
templos que o Caboclo das Sete Encruzilhadas fundou, além das pessoas que se hospedavam em sua casa para os tratamentos espirituais, a qual, segundo dizem, mais parecia um albergue. Nunca aceitou ajuda monetária de ninguém; era ordem do seu guia-chefe, embora tivesse recebido inúmeras ofertas.
Ministros, industriais e militares que recorriam ao poder mediúnico de Zélio para a cura de parentes enfermos, vendo-os recuperados, procuravam retribuir o benefício com presentes, ou preenchendo cheques vultosos. “Não os aceite. Devolva-os!”, ordenava sempre o caboclo.
O termo “espírita” foi utilizado nas tendas recém-fundadas porque naquela época não se podia registrar o nome “umbanda”. Quanto aos nomes de santos, era uma maneira de estabelecer um ponto de referência para fiéis da religião católica que procuravam os préstimos da umbanda.
O ritual estabelecido pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas era bem simples: cânticos baixos e harmoniosos – sem utilizar atabaques e palmas -, vestimenta branca e proibição de sacrifícios de animais. Capacetes, espadas, cocares, vestimentas de cor, rendas e lamês não eram aceitos. As
guias usadas eram apenas as determinadas pela entidade que se manifestava. Os banhos de ervas, os amacis, a concentração nos ambientes vibratórios da natureza e o ensinamento doutrinário com base no Evangelho constituíam os principais elementos de preparação do médium.
Os atabaques começaram a ser usados com o passar do tempo por algumas das casas fundadas pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, mas a Tenda Nossa Senhora da Piedade não os utiliza em seu ritual até o dia de hoje.
Após 55 anos de atividades à frente da Tenda Nossa Senhora da Piedade, Zélio entregou a direção dos trabalhos às suas filhas Zélia e Zilméa, continuando a trabalhar junto com sua esposa Isabel, médium que incorporava o Caboclo Roxo, na Cabana de Pai Antônio, em Boca do Mato,
distrito de Cachoeiras de Macacu, no Rio de Janeiro, onde dedicou a maior parte das horas de seu dia ao atendimento de portadores de enfermidades psíquicas e a todos os que o procuravam.
Em 1971, a senhora Lilia Ribeiro, diretora da Tenda de Umbanda Luz, Esperança, Fraternidade (TULEF) gravou uma mensagem do Caboclo das Sete Encruzilhadas, que espelha
bem a humildade e o alto grau de evolução dessa entidade de luz:
A umbanda tem progredido e vai progredir ainda mais. É preciso haver sinceridade, honestidade. Eu previno sempre aos companheiros de muitos anos: a vil moeda vai prejudicar a umbanda; médiuns irão se vender e serão expulsos mais tarde, como Jesus expulsou os vendilhões do templo. O perigo do médium homem é a consulente mulher; do médium mulher, é o consulente homem. É preciso estar sempre de prevenção, porque os próprios obsessores que procuram atacar as nossas casas fazem com que toque alguma coisa no coração da mulher que fala ao pai de terreiro, como no coração do homem que fala à mãe de terreiro. É preciso haver muita moral para que a umbanda progrida, seja forte e coesa. Umbanda é humildade, amor e caridade – essa é a
nossa bandeira. Neste momento, meus irmãos, me rodeiam diversos espíritos que trabalham na umbanda do Brasil: caboclos de Oxossi, de Ogum, de Xangô. Eu, porém, sou da falange de Oxossi, meu pai, e não vim por acaso, trouxe uma ordem, uma missão. Meus irmãos, sede humildes, tende amor no coração, amor de irmão para irmão, porque vossas mediunidades ficarão mais puras, servindo aos espíritos superiores que venham trabalhar entre vós. É preciso que os
aparelhos estejam sempre limpos, os instrumentos afinados com as virtudes que Jesus pregou na Terra, para que tenhamos boas comunicações e proteção para aqueles que vêm em busca de socorro nas casas de umbanda.
Meus irmãos, meu aparelho já está velho, com 80 anos a fazer, mas começou antes dos dezoito. Posso dizer que o ajudei a se casar, para que não estivesse a dar cabeçadas, para que fosse um médium aproveitável e que, pela sua mediunidade, eu pudesse implantar a nossa umbanda. A
maior parte dos que trabalham na umbanda, se não passaram por esta Tenda, passaram pelas que saíram desta casa.
Tenho uma coisa a vos pedir: se Jesus veio ao planeta Terra na humildade de uma manjedoura, não foi por acaso; assim o Pai determinou. Podia ter procurado a casa de um
potentado da época, mas foi escolher naquela que poderia ser sua mãe um espírito excelso, amoroso e abnegado. Que o nascimento de Jesus e a humildade que Ele demonstrou na Terra sirvam de exemplo a todos, iluminando os vossos espíritos, extraindo a maldade dos pensamentos ou das práticas. Que Deus perdoe as maldades que possam ter sido pensadas, para que a paz reine em vossos corações e nos vossos lares. Fechai os olhos para a casa do vizinho; fechai a boca para não murmurar contra quem quer que seja; não julgueis para não serdes julgados; acreditai em Deus
e a paz entrará em vosso lar. É dos Evangelhos. Eu, meus irmãos, como o menor espírito que baixou à Terra, porém amigo de todos, numa comunhão perfeita com companheiros que me rodeiam neste momento, peço que eles observem a necessidade de cada um de vós e que, ao sairdes deste templo de caridade, encontreis os caminhos abertos, vossos enfermos curados, e a saúde para sempre em vossa matéria. Com um voto de paz, saúde e felicidade, com humildade,
amor e caridade, sou e sempre serei o humilde Caboclo das Sete Encruzilhadas.
Zélio Fernandino de Moraes dedicou 66 anos de sua vida à umbanda, tendo retornado ao plano espiritual em 3 de outubro de 1975, com a certeza da missão cumprida. Seu trabalho e as diretrizes traçadas pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas continuam em ação por intermédio de suas
filhas Zélia e Zilméa de Moraes, que têm em seus corações um grande amor pela umbanda, árvore frondosa que está sempre a dar frutos a quem souber e merecer colhê-los.

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