À procura de evidências da existência de Shiva

por Gilberto Coutinho

“A presença cultural e religiosa de Shiva na Índia é bastante relevante”

Como toda ciência tem seu mentor ou precursor, desde que iniciei os estudos e a prática do Yoga, buscava evidências da existência de seu criador. Por volta de 1987-1988, meu estimado professor de Samkhya e Naturopatia, por quem tenho grande admiração e gratidão, ao conversar comigo, disse-me: “Shiva não existe.”

Talvez, fosse sua intenção dizer-me que Shiva nunca tenha existido. Naquele momento, tive a impressão de que o chão me faltasse. Suas palavras soaram um tanto duras aos ouvidos de quem tanto admira e é grato à figura de Shiva.
Sem contestar, me silenciei introspectivo. No entanto, poderia dizer-lhe: “Se Shiva nunca existiu, Kapila, o criador do Samkhya, também não!” Mas, meu coração não perdeu as esperanças e meu amor pelo Yoga em nada se alterou. Afinal, além de valiosos, os ensinamentos de Shiva, na forma do Yoga, são tão concretos e perduram, geração pós geração, alguns milhares de anos.
No The Hatha Yoga Pradipika, o sábio Svatmarama, autor deste clássico tratado sobre Hatha Yoga, provavelmente escrito no meio do século XIV, o inicia reverenciando o guru Shiva, por ter ensinado a ciência do Hatha Yoga. Após reverenciá-lo, explica a razão do Hatha Yoga: o Raja Yoga.

O texto explica: “Para aqueles que ignoram o Raja Yoga, perambulando pela escuridão de tantas opiniões, o benevolente Svatmarama ensina o Hatha Yoga. Matsyendra, Goraksha e muitos outros conhecem bem a ciência do Hatha Yoga, pelas suas graças, o iogue Svatmarama também o conheceu”. Logo em seguida, é mencionado uma sucessão de mestres com trinta e dois nomes, começando por Shiva, e seguido por Matsyendra.

Shiva destruidor das ilusões e mestre do hatha yoga

O sábio Gheranda autor de Gheranda Samhita, considerada uma obra tântrica e um dos três maiores tratados clássicos do Hatha Yoga, composto por volta do século XVII, também saúda o guru Shiva pela mesma razão: “Inclino-me perante Shiva, aquele que ensinou o Hatha Yoga, ciência que se destaca como o primeiro degrau da escadaria que conduz às alturas supremas do Raja Yoga”. Um dos mais antigos e importantes tratados clássicos da ciência Yoga, o The Yoga Sutras of Patañjali, codificado pelo iogue Patañjali no século III a.C., diferentemente não menciona o nome de Shiva, mas o inicia dizendo: “Atha Yoga anusasanam.”, ou seja, “Agora, um texto revisado do Yoga”. Com tal apresentação, fica claro que Patañjali não é o autor do Yoga, mas seu codificador. A autoria do Shiva Samhita, outro tratado clássico da ciência Yoga e do Tantra, é desconhecida. Entretanto, existe uma tradição que considera que tais conhecimentos tenham sido transmitidos, na forma de diálogo, pelo próprio Shiva a sua esposa Parvati, e posteriormente codificados no século XVIII.

A antiguidade do Yoga é revelada em antigas e importantes obras literárias da Índia, no Hinduísmo e em relevantes achados arqueológicos no século XIX. A origem do Yoga é anterior à existência de Patañjali. Existem citações do Yoga no Ramayana, Mahabharata, Bhagavad-Gita e em diversos outros trabalhos. Até Brahma, o Criador do universo, é citado no Hinduísmo como um expoente do Yoga, demonstrando que tal ciência é tão antiga quanto ele próprio.

Entre tantos artefatos interessantes encontrados, nas décadas de 1920 e 1930, nos sítios arqueológicos do Vale do Indo, a respeito de duas progressistas civilizações que existiram a cerca de três mil anos A.C., encontram-se estátuas e pequenos selos de pedra trabalhada com supostas representações de Shiva ou de iogues; evidências de que a popularidade do Yoga é antiguíssima na cultura indiana. Diversos aspectos do Yoga são também mencionados no Charaka Samhita, um dos mais importantes tratados clássicos da Medicina Ayurveda.

No Ramayana, há menção de que o príncipe Rama de Ayodhya, filho do rei Dasharatha, tenha meditado, jejuado e orado aos deuses durante a crucial batalha contra o terrível Ravana, o rei Rakshasa de Sri Lanka (Ceilão) e, no final, ter suplicado a Shiva para que o absolvesse do crime de tê-lo matado, o que sugere que a existência de Shiva é anterior a Treta Yuga, a Era de Prata. Existem supostos vestígios arqueológicos de que tal batalha tenha ocorrido, e um deles é a Adam’s Bridge, uma ponte que no passado ligava a Índia à ilha de Sri Lanka, construída supostamente pelo exercito de Rama. A presença cultural e religiosa de Shiva na Índia é bastante relevante. Existem diversas representações de Shiva na forma de relevos e esculturas em rochas por quase toda a Índia, e de doze tradicionais Jyothir Lingams, símbolos do falo, como na ilha de Elephanta, situada no Mar Arábico, a 10 km de Mumbai, Estado de Maharashtra; um complexo de cinco grutas, de sólidas rochas basálticas, a ele dedicadas.

As evidências são relevantes para a ciência. Porém, as tradições e os indícios são também importantes e não devem ser menosprezados e ignorados, como é o caso da Etnofarmacologia. Será que pelo fato de Shiva ter sido colocado no patamar de terceiro deus do Hinduísmo, talvez, os mestres iogues do passado, por serem hindus, tenham preferido reverenciá-lo como tal, dando a impressão de que ele exista apenas na forma de deus?

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